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sábado, 16 de abril de 2011

Restos mortais de três inconfidentes vão para Ouro Preto após identificação

Durante décadas, aquela caixa encardida permaneceu esquecida em uma sala dos arquivos históricos do Itamaraty, no Rio de Janeiro. O desleixo, porém, não condiz com a importância do material que a pequena urna guardava: as ossadas de José Resende Costa, João Dias da Motta e Domingos Vidal Barbosa. Os nomes podem ser desconhecidos da maioria da população brasileira, mas esses homens foram personagens chave de um crucial capítulo da história do país. Os três, condenados ao degredo na África depois de participarem da Inconfidência Mineira, um dos principais movimentos separatistas do Brasil Colônia, tiveram seus corpos exumados e trazidos para o Brasil na década de 1930, quando, sem provas concretas de sua autenticidade, permaneceram esquecidos nos arquivos do órgão. A história dos três heróis começou a mudar nos anos 1980. O Itamaraty, ciente de que poderia estar abrigando de maneira precária os restos de personagens importantes da história brasileira, tentou transferir os ossos para o Museu da Inconfidência, que guarda em seu panteão os restos de outros 13 revolucionários. “Infelizmente eu tive que negar, pois não havia comprovação de que se tratava mesmo dos inconfidentes”, explica Rui Mourão, diretor do museu, em Ouro Preto (MG). Para botar fim à dúvida, os restos foram enviados em 1993 à equipe de medicina e odontologia legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A ideia inicial era a realização de exames de DNA que comprovassem a autenticidade da ossadas”, diz Mourão. No entanto, o material estava muito degradado. “Além disso, não havia parentes próximos dos três que pudessem servir de comparação”, conta o pesquisador da Unicamp Eduardo Daruge. Mesmo sem a possibilidade de fazer a comparação genética nem apoio específico para a pesquisa, o estudo das ossadas se tornou passatempo para Daruge. Quando ele não se dedicava às aulas e outras pesquisa na universidade, o estudioso buscava formas de encontrar a identidade dos ossos, que passaram a ficar sob sua guarda. “Uma das primeiras medidas foi limpar e separar o material. Havia muita terra e lixo dentro da caixa onde as três ossadas estavam guardadas”, relembra. O passo seguinte foi determinar a que tipo de pessoa os ossos pertenciam. Como os exames de DNA não eram uma opção, Daruge começou a montar um verdadeiro quebra-cabeças. Cada pedaço foi estudado anatomicamente e, pouco a pouco, ele organizou os esqueletos. “As peças foram analisadas para sabermos a que parte do corpo pertenciam. Depois, foram comparadas, para ver onde encaixavam”, conta. Nessa fase, a primeira dúvida foi sanada: tratavam-se, de fato, dos restos mortais de três homens. “Até aquela altura, não sabíamos nem se isso era verdade”, afirma Daruge. Densidade Quando morreram em Cabo Verde, onde cumpriram pena por terem participado da revolta liderada por Tiradentes (veja arte), os três homens tinham idades muito diferentes. Domingos tinha 32 anos; João, 49; e José, 70. A medida que se envelhece, a densidade dos ossos muda. Quanto mais velha a pessoa, mais densos são os ossos. “Então submetemos cada fragmento de osso à um exame de densitometria óssea. Um a um, os pedaços foram analisados e tiveram sua idade determinada”, completa o pesquisador. “Os exames mostraram que os fragmentos tinham exatamente a idade dos degredados”, conta. Diante das informações documentadas desde a década de 1930, quando os ossos foram repatriados, pesquisas históricas sobre os destinos dos três, além dos exames de densitometria foram suficientes para os pesquisadores se convencessem que se trata dos três inconfidentes. “Obviamente, em ciência, nunca se pode dizer que há 100% de certeza, mas diante de todos os dados que conseguimos coletar acreditamos que as ossadas são de José Resende Costa, João Dias da Motta e Domingos Vidal Barbosa”, afirma o especialista da Unicamp. Daruge decidiu ir além. Por conta própria, ele uniu as 144 peças que formam boa parte da face de José Resende Costa — cujo esqueleto estava mais bem preservado —, remontou o crânio e enviou tomografias em 3D do crânio à Inglaterra, onde técnicos da Royal University recriaram o rosto do inconfidente no computador. “Trata-se da única imagem da face de um inconfidente que temos”, conta Daruge. Na época da revolução, não existia fotografias, nenhum chegou a ser retratado e pinturas realistas. Mesmo os quadros de Tiradentes, cultuados nos livros de história, apresentam uma imagem diferente da real aparência dele. A partir do próximo dia 21, quando se comemora o Dia de Tiradentes, os restos dos três finalmente poderão repousar com os de outros 13 companheiros de revolução, no Panteão da Inconfidência. Apesar de mais um capítulo da história da inconfidência ter sido elucidado, muitos vazios ainda existem em relação ao movimento de luta pela independência. Dos 26 inconfidentes, 10 ainda não têm o paradeiro conhecido. Revolta reprimida A Inconfidência Mineira foi uma tentativa de revolta ocorrida em Ouro Preto, então capital de Minas Gerais, para libertar o Brasil da dominação colonial de Portugal. Foi realizada em 1789 por um grupo de 26 homens, motivados pelos altos impostos cobrados pela coroa portuguesa. Denunciados por Silvério dos Reis, foram presos. A maioria foi degredada para a África, mas Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, foi enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792.

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